Patrícia Batitucci

Tema:Cota extra
Texto:Vermelho 24
                                                                                                                                                                                                                                                                                                   
(Só apostamos feijãozinho)

Seu Josélio - porteiro
Dona Albina - moradora

(Seu Josélio está dormindo em sua cadeira. Entra Dona Albina com sangue nos olhos.)

Dona Albina (gritando) - O que significa isso Seu Josélio?

(Seu Josélio levando um susto e quase caindo da cadeira.)

Seu Josélio - Isso o quê Dona Albina?

(Dona Albina esfregando o papel na cara de Seu Josélio.)

Dona Albina – Lê o que está escrito aqui!

(Seu Josélio ajeitando os óculos.)

Seu Josélio - Aonde?
Dona Albina - Aqui Seu Josélio, na letrinha miúda. Lê!

(Seu Josélio tentando se recompor.)

Seu Josélio - Deixa eu ver, ah, tá aqui, cota extra do condomínio 212,54. É isso. Não é isso?
Dona Albina - E o que é que isso Seu Josélio? É alguma brincadeira do Seu Arnaldo? Só pode ser. Aquele velho ficou maluco por acaso? 212 reais? Ele acha que eu vou tirar esse dinheiro da onde? Tá pensando o quê? Com ordem de quem?
Seu Josélio - Dos moradores?
Dona Albina - Que moradores?
Seu Josélio - Ah, o seu Abílio do 302, o Seu Joelson do 704, a Dona Georgina do 203..
Dona Albina - Só podia ser... Mas peraí, quando foi que essa corja arquitetou o golpe?
Seu Josélio (sem graça) – Parece que eles fizeram uma reunião do conselho ontem a noite na casa da Dona Georgina. O Seu Arnaldo disse que era uma questão de urgência...foi isso que ele falou.
Dona Albina –Quer dizer que os meliantes se reunem na calada da noite pra me roubar? E que urgência é essa? O prédio tá caindo por acaso?
Seu Josélio – Bom...bom..bom
Dona Albina – Bombom o quê Seu Josélio? Não gagueja e fala logo. Esse dinheiro é pra quê?
Seu Josélio – (Falando mais baixo) Pra reforma do salão de jogos.

(Dona Albina gira duas vezes nos calcanhares, seus olhos ficam ainda mais vermelhos. Ela parte pra cima do Seu Josélio.)

Dona Albina (furiosa) – Capetas da terceira idade!! Eles não vão ver nem um centavo do meu dinheiro! Eles tão pensando o quê? Que eu vou contribuir pra esse bingo clandestino que eles montaram aqui no prédio? Nunca!!!
Seu Josélio – Calma Dona Albina, não é bingo não, eles jogam biriba, fedorento, essas coisas. É pros velhinhos se divertirem.
Dona Albina – Calma nada! Não tem nenhum velhinho inocente nesse prédio não. É tudo uma máfia Seu Josélio, aquele salão de festas parece uma boate, é uma jogatina desenfreada, eles pensam que me enganam mas eu sei que tem vódca naquele coquetel de frutas!!!

(Dona Albina saindo pela porta.)

Dona Albina – Eu vou chamar a polícia! E o senhor vai preso também. Porteiro do inferno!!! Vou mandar fechar esse cassino!
Seu Josélio - Mas eles só apostam feijão. Dona Albinaaaaa!

FIM.


Tema:Falta d´agua 
Texto:Banho de água fria

                                                                                           
(O Arquiteto responsável foi um dos sobrinhos do Seu Josélio)

Ludmila – empregada doméstica
Seu Josélio – porteiro
Ozano - faxineiro

(A porta do elevador se abre e vemos Ludmila enrolada numa toalha, ela está com uma touca na cabeça e carrega uma sacola plástica. Seu Josélio que estava sentado na sua cadeira, se levanta num sobressalto).

Seu Josélio (Espantado) – Que isso Ludmila, tá indo pra onde assim?
Ludmila (Tranquila) – Ué Seu Josélio, pra piscina.
Seu Josélio – É o quê? Tá maluca menina? E Dona Moema sabe disso?
Ludmila – Dona Moema saiu, disse que ia levar o Seu Arnaldo no podófilo pra desencravar uma unha.
Seu Josélio – E vc vai aproveitar pra nadar?
Ludmila – Claro que não Seu Josélio, eu nem sei nadar. Vou tomar banho mesmo.
Seu Josélio – Na piscina?
Ludmila – Tenho que tomar banho em alguma lugar porque lá em casa não tem nem um pingo dágua.
Seu Josélio – Mas eu avisei que isso ia acontecer. Não leu a circular?
Ludmila (Desaforada) – Não quero nem saber Seu Josélio, hoje tem MC Fanfarrão lá no Buxixo e eu não perco por nada, o senhor quer o quê? que eu vá sem tomar banho?
Seu Josélio – Mas é contra o regulamento do prédio, empregada não pode frequentar a piscina.
Ludmila – Mas eu não vou frequentar nada não, não vou nem lavar a cabeça pra não estragar a marroquista, é só do pescoço pra baixo.
Seu Josélio – Quem é essa mazoquista?
Ludmila – A escova que...Ai, Seu Josélio, Não se mete no que o senhor não entende, tá? Tchau!

(Ludmila vai saindo em direção à piscina. Seu Josélio a interrompre).

Seu Josélio – Ei menina peraí, e o que é que isso dentro do saco plástico?
Ludmila – Artigos de limpeza.
Seu Josélio – Mas não pode usar sabão na piscina.
Ludmila – É sabonete líquido.
Seu Josélio – Não pode Ludmila, vê se arruma outro jeito.
Ludmila - Que jeito? Quer que eu tome banho no chafariz?
Seu Josélio – Isso é problema seu. Agora entra nesse elevador logo porque se alguém te vê assim vai dar problema.
Ludmila – Seu Josélio, quebra o meu galho vai, marquei com um gatinho novo.
Seu Josélio – Não dá minha filha, faz outra coisa, sei lá, usa leite de rosas, lencinho umentecidos.
(Ludmila contrariada aperta o botão do elevador. Seu Josélio senta-se na sua cadeira. Silêncio. Ludmila pára por um instante, vira-se e olha sedutora para Seu Josélio. Vai em sua direção).

Ludmila (Sedutora) - E lá no seu quartinho, Seu Josélio?
Seu Josélio (Desconfiado) – Que é que tem o meu quartinho?
(Ludmila chegando mais perto).
Ludmila – (Sedutora) Ah, não sei...pensei que eu podia tomar um banho lá. Hum!?
(Ludmila senta em cima da mesa de Seu Josélio e cruza as pernas).
Ludmila – (Sussurando) - O senhor é tão prevenido. Aposto que guardou pelo menos um baldinho...
Seu Josélio (Cortando) – Ah, não vai dar não minha filha, a água que eu guardei é pro vaso sanitário. Agora levanta daí senão vai manchar todo o óleo de peroba que eu acabei de passar.

(Ludmila desmonta seu charme e sai resmungando em direção ao elevador).

Ludmila – Bicha velha!

(Ludmila entra no elevador. Seu Josélio abre uma revista. Pela porta de serviço entra Ozano, o faxineiro, totalmente suado e com a camisa jogada nas costas).
Ozano – Oi Seu Josélio!
Seu Josélio – Que isso Ozano, sem camisa na portaria?
Ozano – Desculpe Seu Josélio, mas com esse negócio de falta d´agua, sabe como é, eu souo muito, então seu eu colocar...
Seu Josélio (Interrompendo) – Tá bom, Tá bom Ozano, já entendi.

(Pausa. Seu Josélio olha para Ozano).

Seu Josélio - Faz o seguinte, toma aqui a chave do meu quartinho. Vai lá tomar um banho.

(Seu Josélio entrega as chaves para Ozano).

Ozano (Estranhando) – Ué, mas o prédio todo não tá sem água?
Seu Josélio – Tá, mas eu estoquei um pouco, pra prevenir.
Ozano (Inocente) – Brigadão hein Seu Josélio. O senhor é parceiro mesmo.
Seu Josélio – Tá bom rapaz. Vai, vai.
(Ozano vai saindo, seu Josélio o segue com os olhos).
Seu Josélio (Chamando Ozano) - Mas escuta, pode deixar a porta encostada...no caso de eu precisar entrar pra pegar alguma coisa.
Ozano (Animado) – Beleza!

Seu Josélio sorri enigmático.

FIM.


Tema:O Gatuno
Texto:Ladrão que rouba ladrão

                                                                                     
(Jeremias, o seu mundo era apartamento, detefon, almofada e trato)


Seu Josélio – o porteiro
Dona Moema – moradora

(Seu Josélio está sentado quando a porta do elevador se abre. Sai Dona Moema carregando uma bolsa grande. Quando vê Seu Josélio ela aperta o passo. Ele se levanta rapidamente e a interrompe).

Josélio – Olha aqui Dona Moema, a senhora vai me desculpar...mas a senhora vai ter que abrir a bolsa.
Dona Moema (Indignada) – Como é que é S. Josélio? O senhor pensa que tá falando com quem?
Josélio - Eu não posso fazer nada não Dona Moema, regra é regra.
Dona Moema (Altiva) – Seu Josélio, eu sou a mulher do síndico!!
Josélio – Sinto muito, mas eu vou ter que revistar a senhora mesmo assim. São ordens do seu marido.
Dona Moema – Isso é um absurdo! Aonde é que o Arnaldo está com a cabeça? Revistar os próprios moradores?
Josélio – (Formal) É uma questão de segurança Dona Moema! Depois do assalto no 203, o condomínio teve que mudar as regras do estatuto...
Dona Moema (Interrompendo) – Que isso Seu Josélio? Que assalto? Não teve assalto nenhum no prédio. Desde quando sumir um jornal da porta de alguém é assalto?
Josélio – Mas a Dona Albina tá furiosa. Ela disse que vai processar o condomínio e tudo. Ficou sem ler o Carderno de Economia e até perdeu dinheiro na bolsa.
Dona Moema (Indignada) – É o quê Seu Josélio? Que dinheiro? E por acaso Dona Albina tem dinheiro Seu Josélio? Por acaso Dona Albina sabe ler Seu Josélio? Essa velha é maluca. No máximo ela vê as figuras e depois usa o jornal de banheiro pra aqueles gatos malditos que ela cria. Agora me deixa passar!

(Seu Josélio se coloca na frente de Dona Moema impedindo a sua passagem).

Josélio (Autoritário) – Abre a bolsa Dona Moema!
Dona Moema(Desafiando) – Não abro!

(Os dois entram em luta corporal, Seu Josélio puxa a bolsa de Dona Moema que a segura com força).

Seu Josélio – Larga a bolsa Dona Moema!!
Dona Moema – Não largo!!!

(Seu Josélio ouve um barulho vindo de dentro da bolsa e a solta assustado)

Seu Josélio (Assustado) – Que barulho foi esse?
Dona Moema ( Disfarçando) – Que barulho?

(Seu Josélio olhando para a bolsa de Dona Moema)
Seu Josélio – A sua bolsa tá se mexendo Dona Moema.
(Na bolsa entreaberta vemos um gato. Ele coloca a cabeça pra fora desconfiado)
Seu Josélio (Boquiaberto) – Mas...é o gato da Dona...
Dona Moema (Autoritária) – Cala a boca Seu Josélio. O senhor não vai falar nada pra ninguém ouviu? Se contar vou mandar o Arnaldo acabar com todas as suas regalias nessa portaria, entendeu?
Seu Josélio – Mas Dona...
Dona Moema - Vai ficar sem televisão, sem radinho de pilha e sem essas revistas que o senhor desvia dos moradores pra ficar lendo de madrugada. Pensa que eu não sei?... Vou mandar trancar a caixa de correspondência e Adeus Capricho, Adeus Contigo e Adeus Minha Novela!!!!
Seu Josélio (Resignado) – Mas a senhora não vai matar o gatinho não, não é Dona Moema?
Dona Moema ( Calmamente) – Não. Vou entregar na Suipa, pode deixar. Não sou uma bruxa não Seu Josélio. Só estou zelando pelo bem estar dos moradores e pela higiene do condomínio.
Agora, me deixa passar que eu to atrasada.
Seu Josélio (Conformado) – Tá bom, Dona Moema.
Dona Moema (Animada) – Não fica triste não que na volta eu passo na banca e trago a “Caras” novinha pro senhor.

Seu Josélio abre um discreto sorriso.

FIM.


Tema:Tintura Acaju
Texto: A Perereca da Vizinha
                                                                                
(Dona Marinanda, óleo sobre tela, ela já teve problemas com a perereca antes)


Seu Josélio – o porteiro
Ozano - o faxineiro

Seu Josélio está sentado na portaria quando Ozano entra correndo.

Ozano (Agitado) – Seu Josélio pelo amor de Deus, o senhor tem que vir correndo!
Seu Josélio - Mas o que foi rapaz? Fala de uma vez!
Ozano (Nervoso) – Seu Josélio, foi a Dona Marinanda do 401....tava na varanda...foi chamar o filho no play... aí caiu...
Seu Josélio (Interrompendo) – Minha nossa senhora...Dona Marinanda morreu?
Ozano (Gaguejando) – Não... foi a ...
Seu Josélio (Aflito) – Não morreu? Ai meu Deus...deve tá muito ferida então. Que desgraça! Liga pra ambulância Ozano. Não. Liga pro síndico primeiro.
Ozano – Calma Seu Josélio.
Seu Josélio (Desolado) - Calma? Como calma? Dona Marinanda tá lá coitadinha...estendida no chão toda ensanguentada.
Ozano – Seu Josélio, calma, não foi a Dona Marinanda que caiu.
Seu Josélio – Não? Foi quem então?
Ozano (Explicando) – Foi a perereca da dona Marinanda.
Seu Josélio (Confuso) – Hein!?
Ozano - Ela tava na varanda chamando o Eliseu, foi dar um grito e a dentadura caiu lá embaixo. Foi isso.
Seu Josélio (Revoltado) - Tá maluco Ozano? E você entra aqui correndo por causa de uma dentadura. Quer me matar do coração?
Ozano – Mas Seu Josélio, o problema é que a criançada pegou a perereca da Dona Marinanda e agora não quer devolver. E ela pediu pro senhor ir lá.
Seu Josélio - Mas era só o que me faltava. E você quer que eu faça o quê? Sobra tudo pra mim nesse prédio. Por que que ela mesma não desce e vem pegar a dentadura?
Ozano (Sem graça) – Porque ela disse que tá pintando o cabelo e que se descer agora vai dar problema na tinta...e...bom... e que o senhor...
Seu Josélio (Impaciente) – Fala Ozano. E eu o quê?
Ozano - Ela disse que o senhor ia entender.
Seu Josélio – Ia entender o quê? Não to entendendo nada.
Ozano (Sem graça) – Ela disse que o senhor sabe muito bem o problema que dá tirar a tinta antes da hora... que o senhor fez isso e seu cabelo ficou um caju.
Seu Josélio - Acaju.
Ozano (Concordando) – Foi o que eu falei. Caju.

(Seu Josélio olha perplexo para Ozano, sem conseguir esboçar nenhuma reação
Ozano vai saindo, mas dá meia volta.
Seu Josélio tenta dizer alguma coisa mas é interrompido por Ozano).

Ozano (Lembrando) - Ah... ia me esquecendo. Ela mandou dizer também que conversou com a Lidiane do salão sobre o seu caso , e que pra resolver isso daí só um “Preto Graúna” mesmo, porque quando puxa pro vermelho... é fogo!

Ozano sai. Seu Josélio fica imóvel durante alguns segundos. Depois senta-se e abre a primeira gaveta da sua mesinha. Tira de dentro uma embalagem pequena. Na capa lemos Grecin 2000. Ele olha contrariado para a foto e joga a embalagem na lixeira ao seu lado.

FIM.