Leandro Pinheiro

A cota extra

O BALANÇO E A BARONESA
(de Leandro Pinheiro)

(A estátua da Baronesa: dizem que a barriga é da Beyoncé)



Quando os primeiros raios de sol começam a penetrar na portaria do Solar Baronesa eles ainda surpreendem seu Josélio dormindo com seu tapa-olho rosa de paetês. O relógio bate 8 horas e como vem acontecendo pontualmente durante as últimas semanas, as marteladas começam a reverberar por todo o prédio. No mesmo instante a porta do elevador se abre e saem lá de dentro, como um furacão, um jovem casal com um bebê no colo e todos os apetrechos possíveis para passar um mês fora.

VERA: Eu falei! Eu falei que não ia dar tempo! Você e essa sua mania de ler o jornal sentado no vaso de manhã!
WESLEY: Calma, Verinha! Foi só enquanto você tava arrumando a neném!
VERA: A neném tem nome! É Suellen! E agora ela ta chorando porque o pai dela é um cagão!
WESLEY: Opa, pêra lá! Ela ta chorando por causa dessas marteladas que não acabam nunca! E por falar nisso, seu Josélio, e essa obra, hein?
VERA: Nossa rotina virou um inferno! A gente tem que desovar a Suellen na creche duas horas antes pra ela não ficar nervosa com a barulheira!
SEU JOSÉLIO: É, a obra ta indo...
VERA: Ta indo! Ta indo! Sempre que a gente pergunta o senhor diz que ta indo! Mas ta indo pra onde?
WESLEY: E o parquinho que esse síndico novo prometeu, seu Josélio?
VERA: Até agora eu não vi nem sombra de balanço ou de escorrega!
SEU JOSÉLIO: Aos poucos ta saindo... Calma, dona Vera, a senhora é muito novinha!
VERA: Quero ver o senhor ter calma com uma criança berrando no seu ouvido de manhã, ainda competindo com barulho de obra! Não tem um dia que eu não pense em me jogar lá de cima. Uma pena que eu moro no segundo andar e a queda não ia ser suficiente pra me matar!
WESLEY: Não fala besteira, Vera!
VERA: Imagine eu aleijada, com criança chorando em casa, barulho de obra e um marido cagão!
WESLEY: A Vera ta estressada, seu Josélio. Cuidar de criança pequena não é fácil.
VERA: Sem falar que a gente já ta pagando a terceira parcela dessa cota extra e até agora não vimos nada de melhorias! Cadê a rampa de deficientes que o seu Eliseu prometeu construir na entrada? O parquinho? O trampolim? O jardim de Bule Max? O elevador panorâmico? Hein, seu Josélio??? Quando é que esse Bule Max vem aqui fazer o jardim?
SEU JOSÉLIO: Acho que o Burle Marx já morreu, dona Vera...
VERA: Pronto! Não to dizendo? Esperou tanto que acabou virando pó! Eu to quase lá!!!
WESLEY: Olha Vera! Foi você falar no capeta e olha quem aparece...

Entra seu Eliseu com dois carregadores empurrando um carrinho com uma caixa de madeira.

SEU ELISEU: Cuidado! Oh meu Deus, cuidado com isso! (apontando pra caixa) Josélio! Josélio, ela chegou! Nossa diva chegou!!!
SEU JOSÉLIO: Ela chegou?
SEU ELISEU: Chegou, Josélio! Ficou do jeitinho que a gente queria! Olha!

Seu Eliseu abre o tampo da caixa e todos olham pra dentro.

SEU JOSÉLIO: Mas ficou a cara dela...
SEU ELISEU: Liza Minelli em Cabaré, nossa diva... Mas o cabelo é da Cher!
SEU JOSÉLIO: E as roupas...
SEU ELISEU: Inspiradas na Cleópatra de Liz Taylor com um toque de Britney Spears!
SEU JOSÉLIO: Olha, tem até a cobra!
SEU ELISEU: A cobra é o principal, Josélio! É o que dá o than!
SEU JOSÉLIO: Agora sim, a nossa própria Baronesa da Babilônia!
VERA: Baronesa da onde?
SEU ELISEU: Da Babilônia, querida... Babilônia, entendeu? Vocês sabem que desde que eu virei síndico quis dar um toque de glamour a esse pardieiro. Comecei mudando o nome de Residencial Zuleica, (olha pra seu Josélio) ai que horror, para Solar Baronesa da Babilônia... Foi quando eu e Josélio juntos tivemos a idéia de colocar a estátua da nossa musa na piscina! (para os carregadores) Podem levar. E cuidado com ela!
VERA: Na piscina? E o escorrega?
SEU ELISEU: Que escorrega, meu amor? Agora nossa piscina terá uma fonte!
SEU JOSÉLIO: Fonte, é?
SEU ELISEU: Josélio, esqueci de te falar! A cobra cospe água!!!
SEU JOSÉLIO: Olha que beleza!
SEU ELISEU: Ela vai fica ao lado da sauna!
VERA: Sauna? E o parquinho?
SEU ELISEU: Então, a sauna! Você achou que fosse parquinho pra criança?
VERA: Como assim? Não vai ter escorrega, não vai ter parquinho, também não vai ter jardim porque eu acabei de saber que o Bule Max já morreu, vai ter o que então?
SEU ELISEU: Glamour, minha querida! Gla-mour!

Ouve-se um barulho de madeira se quebrando.

SEU ELISEU: (grita loucamente) Cuidado com a Baronesa!!!!!

Ao ouvir o grito afetado Suellen começa a chorar convulsivamente.

WESLEY: Vera, vamos embora, depois a gente discute isso. A neném começou a chorar de novo...
VERA: É Suellen! (saindo) E a gente não vai mais discutir e nem pagar nada dessa cota extra! Se ainda colocassem a estátua do Barney ou dos Smurfs até tudo bem, mas foram botar logo essa Duquesa da Macedônia que eu não sei nem quem é! Eu não sei nem onde fica a Macedônia, Wesley...

Saem.

SEU ELISEU: Me lembre, Josélio: na próxima reunião vou baixar um decreto proibindo animais silvestres e crianças no prédio.


FIM


A falta d´agua

UM DIA SEM, O OUTRO TAMBÉM

(de Leandro Pinheiro)


(As samambaias de dona Estela: antes mortas do que mal acompanhadas)

Personagens:

DONA ESTELA: senhora de uns 75 anos. Firme, ativa, a franqueza em pessoa.

CLÁUDIO: senhor no auge dos seus 80 e muitos. Subserviente e com cara de bonzinho.

SEU JOSÉLIO: o porteiro.



A cena começa no meio de uma discussão, já acalorada. Dona Estela arranca uma folha pregada no mural e joga com violência sobre a mesa de Seu Josélio.



DONA ESTELA: Um absurdo! Como é que pode uma pouca vergonha dessas? Porcos! Isso que vocês são! Porcos!!!

CLÁUDIO: Calma, Estelinha!

DONA ESTELA: Calma o quê, Cláudio?

SEU JOSÉLIO: Foi uma decisão unânime na assembléia, dona Estela!

CLÁUDIO: Viu, Estelinha, foi unânime!

DONA ESTELA: Cala a boca, Cláudio! (para Josélio) Claro que foi unânime! Aquele vagabundo mau caráter que atende por “síndico” convocou uma assembléia extra de madrugada e só quem compareceu foi ele e a desfrutável da mulher dele. Claro que a votação tinha que ser unânime!

CLÁUDIO: Olha o palavreado, Estelinha...

DONA ESTELA: Você ta é gostando, né velho porco? Vai tomar banho só dia sim dia não!

SEU JOSÉLIO: O racionamento de água é bom pro planeta, dona Estela.

DONA ESTELA: Isso porque Cláudio não mora ao ar livre! O mau cheiro é tanto que até minhas samambaias secaram de desespero! Cláudio é pior que o desmatamento e o efeito estufa juntos! Eu vou lhe falar, seu Josélio, só existem dois beneficiados com esse rodízio: o condomínio, que vai poupar na conta d’água e Cláudio, que vai ficar sem banho!

SEU JOSÉLIO: Mas é só um diazinho aqui, outro ali...

DONA ESTELA: O problema é que ele vai querer emendar, igual feriado!

CLÁUDIO: Estelinha, o que seu Josélio vai pensar de mim?

DONA ESTELA: Quem consegue pensar com esse mau cheiro, Cláudio?

SEU JOSÉLIO: Desculpa o inconveniente, dona Estela, o racionamento vai só até o final do verão.

DONA ESTELA: Pois vamos ver se eu chego viva até lá. Mas essa calhorda me paga. O senhor diga a ele que se eu o vir pela frente, taco Cláudio em cima dele! Pronto, o recado ta dado, eu vou-me embora... (Abre a porta do elevador, embarreirando Cláudio) Você não, Cláudio! Vai de escada! A gente mora no décimo, até chegar lá eu já me asfixiei contigo aqui dentro desse elevador.

CLÁUDIO: Ta bom, Estelinha.


FIM


O Gatuno

PEGA LADRÓN!
(de Leandro Pinheiro)

 
Amanhece no Solar Baronesa da Babilônia. Desperta ao som das célebres cotovias tijucanas, dona Dorita – de camisola e rolinhos nos cabelos – senta na cama meio sonolenta. No chão do quarto estão várias malas ainda etiquetadas com os adesivos das Aerolíneas Argentinas. Bem no meio delas, como que de propósito, um espaço vazio. Dona Dorita levanta-se para ir ao banheiro, passa pelos volumes e não nota de primeira. Três segundos depois...

— MIS ALFAJORES QUERIDOS!!! LADRÓÓÓÓÓÓN!!! LADRÓÓÓÓÓÓN!!!

Os gritos lamuriosos ecoam pelo prédio e chegam até a portaria, acordando seu Josélio – que até então dormia com a boca aberta abraçado ao Cauby, seu unicórnio de pelúcia. Não demora muito a porta do elevador se abre e sai dona Dorita, de hobby, rolinhos e uma vassoura de piaçava em riste.

DONA DORITA: Yo pego! Yo pego el boludo que robó mis alfajores!

SEU JOSÉLIO: Calma, dona Dorita! Mas o que...

DONA DORITA: Sumiron, Rossélio! Los alfajores que traje de Argentina! Ayer estaban allá, hoy no están más! Robaron! Ladrón! Pega ladrón!!!

SEU JOSÉLIO: Que horror! A senhora sabe quem foi?

DONA DORITA: Yo? O señor que debería saber!

SEU JOSÉLIO: Eu? Mas não passou nenhum ladrão por aqui...

DONA DORITA: Ah no? Estás cierto que no passó ningun hombre vestido de negro con uma máscara, un gorro y un crachá escrito LADRÓN, querendo permissión para invadir mi apartamiento?

SEU JOSÉLIO: Calma, dona Dorita...

DONA DORITA: Cómo calma? Mis alfajores se fueron!

SEU JOSÉLIO: A gente descobre...

DONA DORITA: Ya descobrí todo!

SEU JOSÉLIO: Descobriu?

DONA DORITA: Fue la francesa sin pescueço del 805!

SEU JOSÉLIO: Sua vizinha da frente?

DONA DORITA: Dicen que los franceses son excelentes ladrones! Además, ella está un poco gordita, no? Deve estar tendo ganas por dulce de leche!

SEU JOSÉLIO: Complicado sair acusando assim... E ela diz que ganhou peso por causa da tiróide...

DONA DORITA: Mentirosa qué és...



Ouve-se o “ding” do elevador e a porta se abre. Sai dona Rose Marie arrumada pra ir trabalhar comendo um sonho de doce de leite.



DONA ROSE MARIE: Bonjour, bonjour!

SEU JOSÉLIO: Dona Rose esconde isso!

DONA DORITA: Yo falé! La gorda acabó com mis alfajores y ahora está comiendo los genéricos da padaria!

DONA ROSE MARIE: Quem a senhorra está chamando de gorrda?

DONA DORITA: Usted misma!

DONA ROSE MARIE: Isso não é gordurra! Estou inchada por causa da tirreóide!

DONA DORITA: Tirreóide? En Argentina eso se llama “dulce de leche”!

DONA ROSE MARIE: Não estou entendendo o motivo da agrressão!

DONA DORITA: Qué sonsa que és, dona Rosmaria! Entonces vas a negar que invadió mi apartamiento para robar los alfajores?

DONA ROSE MARIE: O que?

SEU JOSÉLIO: Invadiram o apartamento da Dona Dorita essa noite e levaram um embrulho com alfajores.

DONA DORITA: Invadiron no! ELLA invadió!!! Voy llamar la policía!!!

SEU JOSÉLIO: Que isso, Dona Dorita! Não precisa...



No meio da balbúrdia entra Ozano, abatido e meio curvado, alheio à confuão.



OZANO: Seu Josélio, o senhor tem um biscabonato aí?

SEU JOSÉLIO: O que, Ozano?

OZANO: Biscabonato, aquele pó branco pra...

SEU JOSÉLIO: Você não está vendo que to tentando resolver um CÓDIGO 4 aqui? E vem me falar de produto de limpeza?

OZANO: Mas...

DONA DORITA: Ladra!!! Francesa de buesta ladra de alfajores!!!

DONA ROSE MARIE: Mas agorra chega! Quem vai chamarr a policía sou eu! Querro ver a senhorra explicarr aquela muamba toda que traz do Parraguai!

DONA DORITA: Son produtos argentinos legítimos!!!

DONA ROSE MARIE: (sacando o celular) Explica pro delegado...

OZANO: Seu Josélio, eu não to bem...

DONA DORITA: Dáme este celular!!!



As duas começam a brigar pela posse do celular. Seu Josélio tenta apartar a briga, mas acaba entrando no meio e começa a ser agredido também.



OZANO: Seu Josélio?

SEU JOSÉLIO: Agora não, Ozano!!!

OZANO: Eu acho que eu vou...



Ozano vomita na portaria e só assim interrompe a peleja.



DONA DORITA: Más qué passa?

OZANO: Sei não, dona... Acho que foi os bolinho de doce de leite que esqueceram ontem na portaria. E o biscabonado, seu Josélio, o senhor tem ou não tem?



FIM


Tintura Acaju


DE BELÉM À BABILÔNIA
(de Leandro Pinheiro)


(Chimbinha, o cachorro. Ele prefere os tons terrosos)


Personagens:

SEU JOSÉLIO: Porteiro do Solar Baronesa da Babilônia, célebre edifício na Tijuca, Zona Norte do Rio.

DONA DURVALINA: Moradora do Solar Baronesa. Profissão: dona-de-casa. Morena atarracada, de cara larga e jeito eficiente. Tem um poodle chamado Chimbinha.

SUZANNY: Moradora do Solar Baronesa. Profissão: cabeleireira. Negra alta e corpulenta, simpática, espalhafatosa e com cabelos afro pintados de vermelho.



Manhã comum na portaria. No radinho à pilha está tocando “Umbrella”, sucesso da Rihanna. Seu Josélio cantarola enquanto calmamente folheia um exemplar de “Toda Teen” com a cantora na capa. A porta do elevador de serviço se abre subitamente e sai Dona Durvalina, atrapalhada com Chimbinha pela coleira em uma mão e um carrinho de feira na outra. Seu Josélio rapidamente esconde a revista embaixo do caderno de esportes do Extra.



DONA DURVALINA: Bom dia, Seu Josélio!

SEU JOSÉLIO: (desconcertado) Opa! Hoje é dia de feira, né dona Durvalina?

DONA DURVALINA: E aproveito pra andar com Chimbinha! Esse menino é um danado, adora um movimento!

SEU JOSÉLIO: Chegou encomenda pra senhora...

DONA DURVALINA: Jura?

SEU JOSÉLIO: É esse pacote aqui. Parece que é da sua terra!

DONA DURVALINA: Deve ser de Durvânia, minha irmã.

SEU JOSÉLIO: Castanhas?

DONA DURVALINA: Ainda tenho. Isso aí é a tintura que encomendei.

SEU JOSÉLIO: De roupa?

DONA DURVALINA: De cabelo!

SEU JOSÉLIO: Do Pará?

DONA DURVALINA: Claro, Seu Josélio! O senhor sabe, o Pará é o maior fabricante de tintura acaju da América Latina, quiçá do mundo inteiro. É só lá que a gente acha o legítimo extrato concentrado de urucum, que combinado com o óleo da castanha do caju e a goma da tapioca brava dá o brilho intenso e duradouro da tintura vermelha, sem falar no volume. Igual não existe!

SEU JOSÉLIO: Olha que interessante...

DONA DURVALINA: E o vermelho é a cor da estação! Não vê aquela cantora Raiana?

SEU JOSÉLIO: Não conheço...

DONA DURVALINA: Pois eu li que ela só pinta o cabelo com tintura do Pará.

SEU JOSÉLIO: (interessado) Sei...

DONA DURVALINA: Ela não é boba, o produto dá uma vida! É até bom pra caspa, ponta dupla, queda, ressecamento...

SEU JOSÉLIO: (interrompendo) Queda? A senhora disse queda?

DONA DURVALINA: Queda, sim.

SEU JOSÉLIO: (fingindo pesar) Venho sofrendo com isso...

DONA DURVALINA: Coitado! O senhor deveria usar!

SEU JOSÉLIO: O que?

DONA DURVALINA: A tintura, ora!

SEU JOSÉLIO: Mas não vai ficar estranho?

DONA DURVALINA: (ultrajada) Estranho por quê? Minha família no Pará todo mundo usa! Durvamar, meu irmão, mamãe passava isso no cabelo dele desde o berço. Ta com “meia cinco” e tem uma cabeleira que é uma beleza!

SEU JOSÉLIO: Olha, já que a senhora ta falando... Eu vou querer sim...

DONA DURVALINA: Então segura aí! Só dá o tempo d’eu ir na feira e passear com Chimbinha que ele já ta inquieto aqui querendo fazer as necessidades! Ô cachorro, sossega! Na volta o senhor será um novo homem!

SEU JOSÉLIO: Opa!



Dona Durvalina sai e Seu Josélio volta a pegar a revista escondida com um sorriso de contentamento.

No dia seguinte...

Manhã comum na portaria. No radinho à pilha está tocando “What’s my name”, outro sucesso de Rihanna. Seu Josélio, agora com uma volumosa cabeleira acaju médio, cantarola e move o corpo no compasso da música folheando um exemplar de “Kojak Professional. Edição Especial: Vermelhos Intensos”. A porta do elevador social se abre subitamente e sai Suzanny, pronta pra ir trabalhar. Seu Josélio rapidamente esconde a revista embaixo do caderno de economia do Globo.



SUZANNY: Ô seu Josélio, bom dia, o senhor sabe se já chegou minha revista?

SEU JOSÉLIO: Que revista, minha filha?

SUZANNY: Uma de cabelo, com uns penteados, Kojak Professional...

Seu Josélio olha a esmo uma pilha de correspondência.

SEU JOSÉLIO: (desentendido) Não sei, não chegou não...

SUZANNY: Eu mereço! (saindo) Logo esse mês que saiu a edição especial com os vermelhos intensos e as clientes no salão estão enlouquecidas pedindo...

SEU JOSÉLIO: Ah, sei...

Suzanny se dá conta de algo, pára e volta.

SUZANNY: Ô seu Josélio, eu to notando uma coisa diferente no senhor...

SEU JOSÉLIO: (sem-graça) Diferente? Diferente como?

SUZANNY: Não sei... Sabe quando a pessoa muda alguma coisa e a gente sabe que mudou, mas não sabe o que? Então!

SEU JOSÉLIO: Mas eu não mudei...

SUZANNY: Já sei!!! Tirou o bigode!!!

SEU JOSÉLIO: (muito sem-graça) Não, o bigode ta aqui...



Nisso vem chegando Dona Durvalina com várias sacolas de supermercado e Chimbinha na coleira. Ela joga as bolsas no chão e chama o elevador de serviço.



DONA DURVALINA: Olhe, eu tento sair com esse cachorro, mas não dá não. Hoje fui expulsa de dois supermercados. O gerente do Mundial disse que estão proibindo animais só por causa de Chimbinha. Ô cachorro, depois reclama quando fica em casa...

SUZANNY: Dona Durvalina, a senhora não ta notando nada de diferente no seu Josélio?

DONA DURVALINA: Diferente como, menina?

SEU JOSÉLIO: Besteira dela...

SUZANNY: Não sei, diferente... No visual, na atitude, não sei...

SEU JOSÉLIO: Não é nada...

DONA DURVALINA: Ta tudo familiar pra mim.

SUZANNY: Não sei se é o bigode...

SEU JOSÉLIO: Nada...

SUZANNY: Trocou o desodorante, seu Josélio?

SEU JOSÉLIO: Não...

DONA DURVALINA: Vê se não é a jaqueta! Fique quieto, Chimbinha!

SUZANNY: É isso, ta de uniforme novo!

SEU JOSÉLIO: Olha como o tempo voa de manhã! 10:50h! Seu salão não abre às 11h?

SUZANNY: Meu Pai Eterno, to atrasada! Fica de olho na minha revista, seu Josélio! Adorei o uniforme! É hoje que as clientes vão me matar...

Suzanny sai correndo e falando sozinha.

DONA DURVALINA: E não é que a tonalidade ficou bem no senhor? Ta lembrando meu irmão Durvamar!

SEU JOSÉLIO: E parece que meu cabelo parou de cair!

DONA DURVALINA: Não lhe falei que era tiro e queda?

SEU JOSÉLIO: É... Tiro e queda... Quando é que sua irmã vai lhe mandar outra remessa?

DONA DURVALINA: Ora, é só encomendar!

SEU JOSÉLIO: A senhora pode pedir um frasco pra mim?

DONA DURVALINA: É pra ontem, seu Josélio! Vem Chimbinha! Ô cachorro...



Dona Durvalina pega as bolsas e entra atrapalhada no elevador. Seu Josélio aumenta o volume do rádio e volta a folhear a revista com um sorriso de contentamento no rosto.



FIM.